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terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Obrigado angiospermas!

Hoje eu estava preparando uma lista de compras para um jantar na casa de alguns amigos. Cardápio da noite: cachorro-quente! Particularmente, adoro cachorro-quente, principalmente se tiver muito molho.

Eu faço um molho muito bem temperado, com ervas e outros vegetais aromáticos, como cebola, alho, pimenta etc. Aliás, o tempero do jantar de hoje à noite será preparado por mim...

Preparando a lista de temperos, onde se encontram alho, cebola, manjericão, pimenta, coentro, louro, salsinha e cebolinha, percebi que todos estes vegetais são exclusivamente terrestres. Todos eles fazem parte do grupo das Angiospermas, que são os vegetais que possuem flores ou, considerando a origem do nome do grupo, “semente protegida” - pelo fruto. As Angiospermas representam um grupo amplamente diversificado de vegetais, tanto em modos de vida como em morfologia. Toda esta variedade de espécies me faz pensar na história evolutiva das plantas e no papel que elas desempenham na Terra. Vou contar algumas curiosidades sobre a conquista do meio terrestre pelas plantas e sua importância na evolução dos seres vivos.

A história evolutiva das plantas começa há muito tempo atrás, há alguns bilhões de anos, com o surgimento dos primeiros seres vivos foto
ssintetizantes. Surgiram primeiramente no meio aquático, que é um facilitador de reações químicas diversas. Além disso, o meio aquático diminui drasticamente o risco de ressecamento do ser vivo, principalmente se ele não passar de uma colônia de indivíduos unicelulares. Se você quer ver um belo exemplo de uma colônia de seres unicelulares fotossintetizantes, observe guias, sarjetas ou bicas por onde a água corre ou se acumula com freqüência (piscinas abandonadas são ótimas!). Passe a mão e perceba a textura lisa. É uma outra adaptação destes seres vivos para resistirem ao ressecamento: a mucilagem. É como uma gelatina e ajuda a preservar a umidade na colônia quando a água do ambiente se torna escassa.

As algas são belos exemplos de seres fotossintetizantes muito bem adaptados ao meio
aquático. Tanto são que estão aí há centenas de milhões de anos, e de acordo com o registro fóssil, não mudaram muito ao longo do tempo. Não possuem estruturas diferenciadas, como folhas, flores ou sementes, nem caule. São praticamente um conjunto de células muito semelhantes, com capacidade de realizar fotossíntese dentro do meio aquático. Acontece que o meio aquático é muito pobre em gás carbônico em relação à atmosfera e a luz não penetra na água com a mesma intensidade que penetra no ar. Há uns 450 milhões de anos, o ambiente terrestre se tornou muito tentador aos vegetais!

Ora, conseguir luz e gás carbônico em abundância para realizar a fotossínte
se seria maravilhoso, já que assim a planta teria ao seu dispor uma quantia de alimento jamais experimentada. Porém, os desafios eram gigantescos para a conquista do meio terrestre: superar a intensa radiação do Sol, resistir ao ressecamento, sobreviver aos ventos e intempéries, obter água e nutrientes do solo, se reproduzir. Aos poucos, como nos contam os fósseis, aquelas células todas semelhantes das algas foram adquirindo características diferenciadas. Os primeiros fósseis de vegetais terrestres mostram pequeninos talos, com crescimento dicotômico (de cada ponta surge uma nova divisão em dois talos), que provavelmente habitavam ambientes transicionais, ou seja, locais enlameados, com grande disponibilidade de água. Não possuíam raízes, folhas ou coisa parecida. Estes talos são chamados de telomas.

Porém, em terra, a água e os nutrientes estão no solo e a luz e gás carbônico no ar. Esse caráter ambíguo do ambiente terrestre moldou a evolução das plantas terrestres para se tornarem um conjunto de dois compartimentos: a parte aérea, responsável pela fotossíntese e a parte subterrânea, responsável pela absorção de nutrientes.
O próximo passo foi o desenvolvimento de canais condutores para a comunicação entre o topo e a parte subterrânea.
A intensa incidência de radiação do Sol e o ressecamento foram contornados com o surgimento de um revestimento protetor impermeável (que impede a evaporação da água de dentro da planta) e o desenvolvimento de estômatos, que são como os poros da nossa pele. Os estômatos permitem as trocas gasosas e a evapotranspiração (é, as plantas também suam, através da evaporação).

Logo, aquele formato semelhante a uma galhada foi abandonado e as plantas passaram a se desenvolver em formato de um eixo, com ramos laterais. Era uma forma eficiente de aproveitar a luminosidade. Algumas plantas desenvolveram expansões aladas ligadas ao caule (folhas). Uma pressão evolutiva possível é que há 390 milhões de anos (no Devoniano) o CO2 atmosférico reduziu-se em 90%, exigindo das plantas um sistema fotossintético melhor.

Muito bem estabelecidas na terra, as plantas passaram a competir por luz. Plantas altas recebiam mais luz que as baixas. Foi neste contexto que surgiu o crescimento secundário nas plantas: o caule se torna mais rígido, capaz de se sustentar melhor e de suportar uma copa mais alta. Aparecem assim as plantas com o formato de árvore que tão bem conhecemos. Elas deram origem a um novo ambiente na terra, mais úmido e protegido da radiação solar intensa: a floresta. Grandes florestas (como a representação artística da imagem acima) de samambaias e gimnospermas gigantescas se desenvolveram a partir do Carbonífero (há cerca de 30 300 milhões de anos), construindo uma nova paisagem no globo, muito diferente daquela do Devoniano, na qual apenas plantas rasteiras e arbustos estavam presentes.

A partir daí, podemos imaginar o impacto das plantas na evolução dos seres vivos. Um novo habitat estava disponível, permitindo um acúmulo de água e nutrientes onde antes havia ressequidão e ventos. O solo não mais iria embora com o escoamento da água e os processos erosivos seriam completamente diferentes daqueles dos ambientes sem florestas. Regimes de chuvas seriam completamente alterados. Onde antes era um local árido passou a ser um ambiente vívido, com chuvas regulares. Animais começaram a procurar refúgio, alimento e outros recursos dentro das florestas e se tornaram polinizadores e dispersores das plantas, levando pólen e sementes a locais mais distantes, possibilitando a expansão dos domínios das plantas e favorecendo o desenvolvimento de frutos e flores atrativos e saborosos. Pois é, você é ludibriado pelos saborosos frutos e pseudofrutos das plantas, pois o que interessa a ela é que você os coma leve suas sementes para longe!

É inegável que as plantas alteraram profundamente os processos geológicos e evolutivos da Terra e dos seres vivos, respectivamente. Compreender sua evolução e seu papel no mundo pode levar a entender a importância da preservação e do estudo com estes maravilhosos exemplos de sucesso evolutivo.

Refrência bibliográfica: GONÇALVES, E.G. & LORENZI, H. 2007. Morfologia Vegetal. Instituto Plantarum de Estudos da Flora, São Paulo, pp 15-20.

P.S.: (09/02/2008) Fiz uma correção no texto (indicada pelo Rafael, nos comentários deste post). O Carbonífero ocorreu há cerca de 300 milhões de anos, e não apenas 30 milhões.

3 comentários:

Tipo-B disse...

Eita, esse deu preguiça de ler! Depois eu volto pra terminar.
Mas qual vai ser o cardápio da próxima janta? Podemos fazer lá em casa daí.

Bjão

Rafael U. C. Afonso disse...

[...] se desenvolveram a partir do Carbonífero (há cerca de 30 milhões de anos) [...]
Na verdade o período Carbonífero foi de 359 milhões à 200 mil e 299 milhões de anos atrás (fonte). Será que você não quis dizer "30 milhões de anos depois [do Devoniano]"?
De qualquer maneira muito legal o seu artigo. Continue assim.

Gustavo Simões Libardi disse...

Rafael,

Obrigado pela correção. Eu quis dizer 300 milhões de anos, e não 30! Acabo de corrigir o texto. Às vezes várias releituras acabam viciando e impedindo a percepção de alguns erros de digitação!

Abraços!