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terça-feira, 4 de março de 2008

Pêlos na púbis? Por quê?

Nos comentários do post anterior, foi levantada uma dúvida sobre quais as causas de ainda retermos pêlos próximos aos genitais. Se perdemos os pêlos justamente para evitar parasitas, por que teríamos que permanecer peludos nos locais mais íntimos? Para termos parasitas só ?
Há estudos que sugerem a presença dos pêlos como atrativo sexual, já que eles são (ou seriam) capazes de reter odores dos feromônios. Mas a questão pode ser um pouco mais complexa.

Os povos indígenas americanos (não sei de outros, pois nunca li sobre outros povos) possuem pouquíssimos pêlos - ou somente cabelos -, inclusive ! Ao mesmo tempo, os povos das regiões árticas, como nórdicos, russos e outros, são caracterizados por serem bem peludos (hehehe, não tem como não lembrar do Zangief do Street Fighter!). Como a temperatura da bolsa escrotal não pode variar da mesma forma que o restante de nossa pele - caso contrário a produção de espermatozóides é comprometida -, é fácil deduzir que os povos que se desenvolveram no frio precisavam de maior isolamento nas áreas pélvicas que os povos indígenas americanos, cuja maioria evoluiu em ambientes mais amenos e expostos a uma maior diversidade de parasitas.

Atualmente a quantidade de pêlos no corpo é de certa forma bagunçada, devido à miscigenação dos povos, reflexo da elevação da capacidade de deslocamento da espécie humana - palavras bonitas para dizer que o que tem ocorrido nos últimos milhares de anos é uma suruba étnica... Já os pêlos pubianos femininos também seriam retidos, caso esta característica não esteja unicamente relacionada aos cromossomos sexuais.

Como foi dito no outro post, a hipótese da proteção contra parasitas para explicar a nudez humana pode não ser suficiente para explicar todo o contexto evolutivo envolvido na quantidade de pêlos da nossa espécie. Lembremo-nos que a Seleção Natural é um jogo de pressões evolutivas das mais variadas e imprevisíveis, o que torna este campo de estudos da Biologia particularmente maravilhoso.

É isso. Hoje não tem referência, trata-se de uma consideração pessoal advinda de diversas leituras independentes ao longo dos últimos anos. Justamente por isso, os comentários serão especialmente bem vindos!

segunda-feira, 3 de março de 2008

Nu com a mão no bolso...

Dias atrás recebi pelo e-mail uma notícia, contando sobre uma chimpanzé fêmea, do zoológico de Saint Louis, chamada Cinder, portadora de uma doença que faz com que todos os pêlos de seu corpo caiam. O zoológico tem fotos desta chimpanzé divulgada em seu sítio, para o deleite de todos os curiosos (como eu!). A imagem é fascinante, pois é inegável a semelhança de sua estrutura corporal com a de um homem atarracado e forte. Ela nos faz pensar como toda a pelagem do chimpanzé esconde sua forma física e sua aparência tão parecida com a de um humano. A pelagem rala dos seres humanos, em comparação aos outros hominídeos primatas, tem intrigado biólogos, cientistas e curiosos há anos. Ela é a nossa característica mais conspícua (evidente), capaz de nos separar, mesmo que por muito pouco, dos outros grandes macacos (prefiro o termo great apes), como o chimpanzé, o bonobo, o gorila e o orangotango. Qual terá sido a vantagem em ter uma pelagem tão fina e curta, capaz de estabelecer tão bem em nossa espécie tal característica?

Inúmeras propostas têm sido levantadas desde os primórdios dos estudos evolutivos. Muitas são criativas, outras, difíceis de serem suportadas ou bastante extravagantes.

Antes de tudo, precisamos compreender que os primeiros hominídeos bípedes evoluíram numa África em processo intenso de savanização. É muito simples se imaginar num ambiente de savana, pois temos um Cerrado imenso (apesar de bastante degradado) no Brasil, com configurações climáticas semelhantes, ou seja, um clima quente, por vezes seco, vegetação rasteira-arbustiva e, portanto, com intensa radiação solar. Agora pare e pense: qual a vantagem em ficar pelado no meio da savana africana, torrando sob o sol escaldante?

É sabido que uma cobertura de pêlos é eficaz no isolamento térmico e ajuda a enfrentar temperaturas altas (pergunte aos beduínos por que eles usam tantas roupas no meio do deserto), evitando que o indivíduo superaqueça, sem contar na proteção da pele contra os raios U.V. É engano nosso imaginar que quanto menos roupas, mais fresquinho ficamos – não, não precisa ir à praia com roupa para neve... Imagine que uma cobertura de pêlos é como uma caixa de isopor numa viagem: serve tanto para evitar que o frango com farofa esfrie quanto para manter o suco de caju fresquinho. Por que haveria, então, um macaco bípede de savana, desenvolver a nudez?

Hipóteses que dizem que o homem perdeu a pelagem para resistir ao calor tórrido da savana africana são consideradas fracas devido à justificativa que acabei de apresentar sobre a importância da cobertura de pêlos. Outras dizem que somos todos pelados porque passamos a nos vestir e não necessitaríamos mais sermos peludos, porém, análises de DNA indicam que há mais de 1,2 milhão de anos perdemos nossa cobertura pilosa e, até o momento, não foram encontrados vestígios de vestimentas com mais de 300.000 anos. Ao que tudo indica, passamos cerca de um milhão de anos andando e caçando pela África sem ter onde guardar devidamente o R.G....

Uma hipótese curiosa diz respeito à alometriaà medida que as espécies tornam-se maiores ao longo da evolução, seus órgãos não crescem todos na mesma proporção. Todos os great apes têm praticamente o mesmo número de folículos na pele, consequentemente, quase o mesmo número de pêlos. Assim, os chimpanzés e bonobos têm os pêlos mais próximos uns dos outros, característica que os fazem parecer mais peludos que nós, que temos uma superfície da pele maior. Mas esta hipótese não se aplica – ou ignora – aos outros great apes maiores que nossa espécie, como orangotangos e gorilas, com densa pelagem, semelhante número de folículos e área da pele semelhante e/ou maior. A diferença parece ser, na verdade, o tamanho dos pêlos, o que não pode ser explicada pela hipótese alométrica.

Há ainda outras hipóteses, como a de que éramos carniceiros e a ausência de pêlos seria uma vantagem (estranho, pois o homem ainda retém a barba!); que a pele nua percebe melhor os contatos íntimos (então, por que retemos pêlos nas partes mais sensíveis, como áreas genitais, costas e peito?); que o fato de termos nos tornado nus indica que passamos por uma fase aquática – inspiração oriunda dos golfinhos, baleias e peixes-bois, todos sem pêlos (não há registro fóssil que suporte esta hipótese, além de não haverem indícios fisiológicos de que um dia fomos os hominídeos tenham sido adaptados ao ambiente aquático...).

Uma hipótese mais interessante diz respeito aos parasitas. É fato que muitos parasitas são transmissores de doenças ao ser humano, como carrapatos e piolhos. Além disso, diversos deles completam seus ciclos de vida dentro da área domiciliar do hospedeiro. A evidência mais antiga de assentamento hominídeo data de 1,8 milhão de anos, sendo esta vestígios de Homo habilis. Desde então, o homem adquiriu outras habilidades, como desenvolvimento de ferramentas, transporte de alimentos e materiais e divisão de comida e se tornou mais assim, digamos, caseiro.

Dá para imaginar como um assentamento hominídio deveria ser maravilhoso para os parasitas. Aqueles montes de mamíferos bípedes, todos próximos uns dos outros, desenvolvendo suas habilidades sociais e comunicativas facilitariam bastante a movimentação destes parasitas entre os indivíduos. E este problema com os sugadores de sangue teria se tornado tão grave que a ausência de pêlos seria muito interessante, mesmo que isso implicasse na perda de uma camada isolante contra a radiação solar e o frio. Tanto é que as medidas para a eliminação eficaz de parasitas sem uso de remédios são o corte de cabelos e a depilação das áreas infestadas de carrapatos e piolhos.

Esta hipótese é interessante, pois ela explica o porque das mulheres possuírem menos pêlos que os homens – elas passariam mais tempo dentro dos assentamentos que os homens; o porque da ausência de pêlo ter-se tornado uma característica atrativa em um parceiro sexual, pois passou a ser sinal de boa saúde – 98% das mulheres depilam axilas e pernas; que talvez a nudez tenha surgido antes do Homo sapiens, pois o Homo habilis já apresentava sinais de estabelecimento de grupos sociais em áreas fixas; a hipótese encontra sustentação em outras espécies de animais, cujas pelagens ralas estão relacionadas à baixa incidência de parasitismo.

Digamos que o assunto está um pouco longe e ser resolvido, e talvez nunca venhamos a saber o que exatamente desencadeou a tendência à nudez a espécie humana. Porém, a hipótese da proteção contra o parasitismo é bastante coerente, perto das outras, e faz todo o sentido. Pode ser que a proteção contra carrapatos e piolhos, sozinha, não tenha dado início à saga da perda de pêlos no Homo sapiens, mas é muito provável que ela tenha desempenhado um papel fundamental na evolução de nossa espécie.

Referência bibliográfica: RANTALA, M.J. 2007. Evolution of nakedness in Homo sapiens. Journal of Zoology, nº 273, pgs 1-7.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Dia de Darwin 2008: dia de reflexões para a Biologia Moderna

Neste sábado (16/02/2008) o Museu de Zoologia da USP (MZUSP) elaborou pelo terceiro ano consecutivo o Dia de Darwin, para celebrar o 199º aniversário de nascimento de Charles Darwin, que é no dia 12 de fevereiro.

Não pude deixar de ir pra São Paulo e conferir o evento, pois a programação prometia discussões de alto nível, com um elenco de peso: (da esquerda para a direita, na foto) Nelio Bizzo (da Faculdade de Educação da USP, destaque na pesquisa sobre ensino de Evolução no Brasil), Hussam Zaher, Mario de Vivo, Mário de Pinna (curadores do MZUSP) e Diogo Meyer (Instituto de Biociências/USP).


O prof. Dr. Nelio Bizzo abriu o evento com a palestra "A Teoria Genética de Darwin", trazendo importantes informações sobre como a idéia da Pangênese se encaixava muito bem no contexto histórico do século XIX e indícios de que Darwin tinha conhecimento sobre o trabalho de Mendel, mas talvez não tivesse dado bola, pois os resultados de Mendel eram semelhantes aos seus (é, Charles também realizou experimentos semelhantes aos de Gregor Mendel).

À tarde foram realizadas palestras curtas com os outros covidados e depois formada uma mesa redonda com os palestrantes (incluindo o Bizzo), na qual fora abordados os mais diversos temas acerca da Teoria Evolutiva e do Darwinismo.

Um dos assuntos levantados foi o impacto das declarações de cientistas (alguns de renome dentro de sua área) que questionam a Teoria Evolutiva como a conhecemos, alegando que as novas descobertas sobre Genética, Bioquímica, Biologia Molecular e Biologia do Desenvolvimento vão de encontro às bases da evolução e seus mecanismos. Acontece que este tipo de argumento não poderia ser mais inválido. Nunca o Darwinismo e a Teoria Evolutiva estiveram tão bem suportados pela Ciência.

Um campo que tem prometido muitas descobertas é a Biologia do Desenvolvimento, também chamada de Evo-Devo. Ela aborda todas as etapas de desenvolvimento dos sers vivos, desde o óvulo fertilizado até o organismo completo, bem como os mecanismos que regulam estas etapas. Indico a leitura de um excelente livro que trata sobre o assunto: Infinitas Formas de Grande Beleza, de Sean B. Carroll.


A Evo-Devo tem mostrado que certos grupos de genes são comuns em muitas classes distintas de animais (como entre moscas-das-frutas e o homem). Essa semelhança genética entre grupos tão distintos dá suporte ao cerne do Darwinismo: a Origem Comum. Somente através dela é que se pode explicar tal semelhança de genes. Além disso, um conjunto de genes que funcionam tão bem e conferem uma vantagem para o organismo não seria abandonada ao longo das gerações, pois provavelmente sem este conjunto o organismo não poderia se desenvolver adequadamente para deixar descendentes. Desta forma, os genes tenderiam a se manter nas gerações futuras. Agora eu lhes pergunto: onde está a contestação ao Darwinismo? Ou à Evolução?


Uma descoberta que abalou profundamente certos pré-conceitos da Ciência foi a de que os seres humanos têm entre 30.000 e 40.000 20.000 e 25.000 genes. Isso é pouco, pois esperava-se algo acima dos 100.000 genes, devido à idéia de que o ser humano é o ser vivo mais complexo - hmmm, isto me cheira algo de egocentrismo... Como o ser humano pode ter somente menos de 30.000 genes!? Estima-se que o arroz tenha mais de 40.000 genes... E olha que ele não é capaz nem de falar...

O debate sobre o que é complexidade orgânica foi, então, levantado. Também questionou-se qual a relação entre a complexidade e o número de genes, pois ela agora não parecia ser algo linear, ou seja, quanto mais complexo, mais genes. Alguma luz foi jogada sobre o assunto quando os mecanismos de preparação do RNA para a produção de proteínas foram melhor compreendidos. Antigamente, pressupunha-se que um gene produzisse uma proteína (daí esperar que o homem tivesse centenas de milhares de genes, devido ao grande número de proteínas que estão presentes durante nosso desenvolvimento e as que são produzidas ao longo da vida). Hoje sabemos que um gene pode produzir mais de um tipo de RNA, produzindo mais de uma proteína. Quem souber de mais mecanismos, pode colocar nos comentários!

Novas proposições sobre quais mecanismos atuam sobre a evolução das espécies além da Seleção Natural têm sido amplamente debatidas. Nenhuma delas nega a Seleção ou coisa do tipo, mas levantam questões: será que tudo pode ser explicado através da Seleção? Será que nossas perguntas estão corretas? Dois exemplos de questões usadas para insinuar a invalidade da evolução ou da seleção, abordados na mesa redonda do Dia de Darwin no MZUSP:
  • Qual a vantagem evolutiva de possuirmos cinco dedos? No passado distante, os primeiros tetrápodes (animais com quatro patas) tinham cerca de dez dedos. Conforme o tempo foi passando, surgiram também os tetrápodes com sete e com cinco dedos. Repentinamente, no registro fóssil, passou-se a encontrar somente tetrápodes com cinco dedos, e a partir deles todos os vertebrados (exceto os peixes) evoluíram. Ora, tavez não haja uma vantagem evolutiva em se ter cinco ou qualquer outro número de dedos, mas pode ser que no passado certos eventos tenham levado os tetrápodes cheios de dedos à extinção, e os dedos não fariam diferença alguma na sobrevivência de um ou de outro. Portanto, a pergunta estaria errada. Percebe que em nenhum momento a Seleção Natural ou a Evolução foram invalidadas?
  • Qual a vantagem evolutiva para as centopéias em se ter sempre um número ímpar de segmentos, seja 15 ou mais de 100? Todas as centopéias possuem um número ímpar de segmentos. Talvez o número de segmentos não seja objeto de Seleção, bem como o número de dedos da questão anterior. Sabe-se que durante o desenvolvimento das centopéias, a massa de células embrionária, em um certo momento, divide-se em duas: uma parte formará a cabeça e a outra, o restante do corpo. Assim, sempre a centopéia terá um número ímpar de divisões, pois a cabeça não se replica como os segmentos do resto do corpo. Os estudos sobre Evo-Devo demonstram que muitas partes dos animais são meras cópias umas das outras: um segmento da centopéia é praticamente igual ao outro, bem como os ossos dos nossos braços são semelhantes aos de nossas pernas. Assim, o fato do número de divisões do corpo das centopéias ser sempre ímpar parece não ter nada a ver com vantagem evolutiva, demonstrando que a pergunta é errada. Poderíamos refomulá-la: por que as centopéias têm sempre um número de segmentos ímpar? Pergunto novamente: em que momento a Evo-Devo ameaçou a Teoria Evolutiva ou a Seleção Natural? Ela apenas esclareceu mais ainda o assunto...
Toda a contestação levantada sobre a Teoria Evolutiva e a validade do Darwinismo, portanto, parece ser um ataque indevido e oportunista, pois se aproveita de discussões específicas dentro da Biologia Evolutiva para dizer que suas teorias centrais estão erradas. Pelo contrário, estas discussões apenas revelam que a Teoria Evolutiva e a Seleção Natural passam bem, e que elas podem ser muito mais complexas do que imaginamos. Essa é a minha conclusão e foi a mesma apresentada pela mesa redonda no Dia de Darwin.

Referências: Palestras e discussões realizadas durane o Dia de Darwin 2008, no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. São Paulo, 16 de fevereiro de 2008. Vídeos do evento disponíveis no site do IPTV USP Experimental.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Texto no Ceticismo Aberto

Olá pessoal,

Há algum tempo fui convidado pelo Kentaro Mori, editor do Ceticismo Aberto, para bolar um texto exclusivo para ser publicado lá. Pois bem, o texto foi publicado, e pode ser acessado clicando aqui.

Abraços, e valeu Kentaro pelo espaço cedido!

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Senta que lá vem história...

Ernst Walter Mayr nasceu em 5 de julho de 1904, na Alemanha, e faleceu em 3 de fevereiro de 2005. Ele foi um dos biólogos de maior destaque do século XX, e suas principais contribuições à Biologia Moderna talvez sejam sua participação na elaboração da Moderna Síntese Evolutiva e o conceito de que uma espécie é um grupo de indivíduos semelhantes (população) que cruzam entre si e não entre outras populações. Sua produção científica foi imensa e constante até a sua morte, aos 100 anos, culminando com a publicação do livro “Biologia, Ciência Única”, em 2004, trazido ao Brasil pela editora Companhia das Letras - a propósito, é uma excelente dica de leitura.

Seguindo a idéia do post anterior, trago para vocês uma tabela, elaborada por Mayr em seu livro “Uma Ampla Discussão”, sobre os estágios do desenvolvimento do Darwinismo. Depois, eu irei realizar alguns comentários para entendermos o resumo cronológico abaixo. Uma dica: esqueça certas coisas sobre o Darwinismo que você aprendeu no seu colegial e preste atenção para entender o que você deixou passar na faculdade, pois estava de ressaca!

O termo Neo-Darwinismo, cunhado por Geoges J. Romanes em 1896, refere-se à teoria desenvolvida por August Weismann no final do século XIX. Consistia no Darwinismo sem a herança dos caracteres adquiridos, ou seja, sem o lamarckismo: Darwin aceitava a idéia de que certos caracteres adquiridos da interação do indivíduo com o ambiente poderiam ser herdados pelos seus descendentes (herança branda). Com os estudos genéticos se desenvolvendo, o reconhecimento da recombinação genética como geradora da variação necessária para a evolução foi firmado e foi estabelecido que características adquiridas não passavam para o plasma germinativo (na linguagem atual, DNA).

O Mendelismo surgiu a partir da redescoberta dos estudos de Gregor Mendel (é, aquele famoso das ervilhas!). A contribuição que o pensamento mendeliano deu ao Darwinismo foi de que o material genético é constante durante a transmissão de uma geração à outra, ou seja, você recebe cromossomos do seu pai e da sua mãe, mas eles não se misturam como dois líquidos de cores diferentes. O conjunto de cromossomos que você recebeu do sei pai é praticamente igual ao dele, e o mesmo acontece com o conjunto que você recebeu de sua mãe. Esta constatação refutou a teoria da herança mista, na qual os materiais genéticos dos pais se fundiam para gerar o do filho. Esta idéia é bastante antiga, e remonta à antiga civilização grega, com um toque genético. Na verdade, até a herança mista é bem melhor que muitas das afirmações sobre herança que Aristóteles propagava, dentre elas, a de que herdamos apenas características dos nossos pais, e que se há algum traço de sua mãe, foi uma interferência (no sentido de “erro”) do sangue nossas mães durante a gravidez. É mole!?

O Fisherismo é um conjunto de propostas desenvolvidas por sir Ronald A. Fisher e aborda a evolução de forma reducionista, ou seja, ela atua sobre a menor partícula selecionável: os genes. O Fisherismo considera a evolução como uma mudança nas freqüências gênicas pela seleção natural. Não que ela esteja errada, mas ela não leva em conta a diversidade dos indivíduos, ou melhor dizendo, o conjunto da obra – todos os genes atuando juntos.

A Síntese Evolutiva trouxe de volta o pensamento populacional de Darwin, esquecido pelos geneticistas. Levantou questões importantes sobre as interações entre as populações, entre os indivíduos, os fatores ambientais que levam à especiação, como isolamento geográfico. O período após a Síntese foi marcado pela compreensão holística da coisa toda, ou seja, tanto a escola reducionista, que considerava apenas as relações entre os genes e a evolução, e a escola naturalista, que considerava apenas o resultado final – o indivíduo –, deveriam ser consideradas por um evolucionista. As duas abordagens não podem ser separadas, mas devem ser levadas em conta de maneira conjunta.

O acaso foi mais explorado, pois nem sempre uma característica (ou uma alteração genética) aparecia devido à seleção, mas por simplesmente ter aparecido. Talvez ela nem fosse selecionada, pois não produzia nenhuma vantagem ou desvantagem para o indivíduo. A restrição leva em conta a impossibilidade da “perfeição”, ou seja, a Seleção Natural tem seus limites e nem tudo pode ser levado à perfeição. Nosso corpo está cheio de imperfeições: problemas de coluna e joelhos desenvolvidos durante a velhice devido à postura ereta, camada de vasos sangüíneos e células nervosas em frente à retina (reduzindo a qualidade de nossa visão), canal deferente dando a volta nos ureteres (ao invés de conduzir-se diretamente dos testículos à próstata), arcada dentária pequena demais para comportar adequadamente os dentes do siso etc.

O Equilíbrio Pontuado é uma teoria estabelecida pelos paleontólogos Niles Eldredge e Stephen Jay Goud, em 1972. Ela é influenciada pelos estudos paleontológicos que constatavam que as mudanças significativas nos registros fósseis ocorriam em um curto espaço de tempo, depois eram seguidas por um período longo de constância ou mudanças muito pequenas. A teoria oferece a interpretação de que as espécies (populações, no caso), ao enfrentarem uma mudança ambiental, sofrem uma forte pressão seletiva. Exemplo: ficou mais frio, portanto quem tiver maior camada de gordura, melhor sistema de manutenção da temperatura do corpo, mais pêlos e penas ou conseguir comer mais, tem maiores chances de sobreviver e deixar descendentes. Depois deste período de seleção intensa, se o ambiente se estabilizar, as espécies não mudarão tanto, pois elas já atingiram um estágio adequado para sobreviverem ao novo ambiente, e então teremos uma seqüência longa de estabilidade no registro fóssil. Esta teoria é bastante interessante e atualmente muito debatida entre os evolucionistas.

A redescoberta da Seleção Sexual se deveu ao fato de novas pesquisas sobre o comportamento animal. Por que certas pessoas e outros animais arriscam tanto suas vidas para salvar as de outras? Se arriscarem suas vidas, elas terão menores chances de deixarem descendentes. O pavão com sua frondosa cauda, os peixes coloridos de recife, os suricatos que ficam de vigia enquanto os outros vão atrás de alimento arriscam suas vidas para se reproduzirem, demonstrarem vitalidade e ajudar o grupo, pois se expõem muito aos predadores. Como estes comportamentos estão relacionados aos genes e até que ponto eles podem ou não ser explicados por fatores genéticos são questões motivadoras de debates e estudos promissores na atualidade, dentro da Biologia Evolutiva.

Espero que os leitores tenham uma melhor compreensão do histórico das teorias e fases do Darwinismo.

Referências bibliográficas: MAYR, E. 2006. Uma ampla discussão - Charles Darwin e a gênese do moderno pensamento evolucionário. FUNPEC Editora, Ribeirão Preto.

GONICK, L. & WHEELIS, M. 1995. Introdução ilustrada à Genética. Editora Habra LTDA., São Paulo.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Ícone do SEV nos Favoritos

Olá pessoal,


Hoje montei um ícone do
SEV, para que, quando vocês o adicionarem aos Favoritos (Bookmarks), ele fique mais destacado, sem contar que tem um visual mais bacana do que o "B-zão" do Blogger. Espero que gostem! Abraços!

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

As múltiplas teorias de Darwin

Aposto que todos já ouviram falar em Teoria da Evolução. Ou, no mínimo, quando ouvem o nome “Darwin” imediatamente relacionam uma coisa à outra. Não é para menos: uma das maiores revoluções na ciência e no pensamento humano teve sua origem nas obras de Charles Robert Darwin, particularmente n’A Origem das Espécies.

Em 2009 serão comemorados os 150 anos da publicação d’A Origem e os 200 anos do nascimento de Darwin. Após tanto tempo, ainda podemos verificar uma conceituação errada sobre o que é evolução, seleção natural ou mesmo qual foi a proposta de Darwin ao publicar seu livro.

A evolução é o processo pelo qual a vida passa ao longo do tempo, modificando-se. A idéia já é antiga, e precede Darwin. Lamarck e Buffon realizaram diversos trabalhos a favor da evolução. O próprio avô de Darwin, Erasmus Darwin, era um evolucionista. Charles, porém, nunca chegou a conhecê-lo, mas se interessava muito pela sua importante obra, Zoonomia. Apesar da idéia de que a vida evoluía ser antiga, pouco havia sido produzido com relação aos mecanismos naturais que controlavam a evolução.

Não havia, lá pelos idos de 1830, muitos problemas com relação à evolução. A idéia, em si, não tinha muitos conflitos com a perspectiva religiosa da vida. O transmutacionismo (transformação de uma espécie em outra) fazia muito sentido, bem como a possibilidade de terem ocorrido múltiplos eventos criacionistas, o que explicava o registro fóssil com animais que não mais existiam.

Darwin era um Lamarckista, porém com uma noção excelente do tempo geológico. Aos poucos, conectou a evolução ao pensamento populacional, ou seja, as espécies vivem em grupos separados, e os grupos nem sempre se encontram, ou seja, pode ser que as emas do norte da Patagônia não se acasalem com as emas do sul da Patagônia, o que explica as diferenças entre elas. Assim, as mudanças que se acumulam conforme elas usam ou não uma característica, vão se acentuando.

Mas, ocorreu a Darwin (particularmente após ler a obra de Malthus, sobre muita gente e pouca comida), que justamente pelos indivíduos pertencerem a um grupo, eles competem entre si por recursos. Aquele que consegue o melhor recurso e se reproduz consegue levar à frente suas características, através de sua prole. Você tem o nariz do seu pai e os olhos de sua mãe porque eles conseguiram se reproduzir com sucesso. Eles garantiram a sobrevivência das características deles. Agora, você precisa garantir a existência das suas! Quem não se reproduzir, não passa suas características para a frente. Estava nascendo a teoria da Seleção Natural.

Perceberam agora a diferença entre Evolução e Seleção Natural?

A Origem das Espécies dedica poucas páginas à Seleção natural em si, e muito mais à Origem Comum, ou seja, a idéia de ancestralidade comum etre diferentes espécies. Após 1959 1859, ano de publicação d’A Origem, muitos naturalistas e cientistas concordaram com Darwin sobre a Origem Comum e a Evolução, pois muitos fatos científicos entravam em acordo com ambas. Além disso, o tema foi muito bem tratado por Darwin. Porém, o mesmo não aconteceu com a Seleção Natural.

Ela foi violentamente atacada. Lamarckistas, saltacionistas (aqueles que acreditavam que o surgimento de uma espécie acontecia aos saltos: um quadrúpede se tornou uma baleia em apenas algumas gerações), criacionistas (as espécies eram criadas divinamente) e essencialistas (pessoas que acreditavam na essência das coisas e das espécies: aquilo é uma cadeira e representa uma cadeira ideal que está em nossas mentes) a negaram. Mesmo grandes defensores de Darwin, como Charles Lyell (geólogo que defendeu maravilhosamente a idéia de que o relevo se altera através de mudanças geológicas lentas) e Thomas H. Huxley (o chamado “bulldog de Darwin”, criador do conceito de Agnosticismo) não concordavam com a Seleção Natural. Huxley era saltacionista e Lyell era muito religioso.

A Seleção Natural parecia estar com os dias contados na segunda metade do século XIX, mas Weismann não deixou. Ele compreendeu profundamente os princípios da Seleção Natural (muitas vezes melhor do que Darwin), conseguiu refutar com estilo todas as idéias contrárias à seleção e demonstrou, através dela, que tudo o que o lamarckismo (por exemplo) explicava era melhor explicado sob a visão da seleção. Ele foi muito mais longe e chegou a publicar um dos primeiros conceitos de genótipo e fenótipo, ao considerar a herança que os filhos recebem dos pais. Algo assim: não há transferência do soma (características adquiridas durante a vida, como perda de membros, musculatura fortalecida etc) para o plasma germinativo (naquela época ele não sabia, mas ele estava falando do DNA! Décadas antes de Watson e Crick).

Notaram a complexidade da dita “teoria de Darwin”? Fica mais fácil compreendê-la sob a perspectiva de que Darwin elaborou um conjunto de teorias e não uma coisa monolítica, inseparável. Até hoje a importância da Seleção Natural é discutida, qual a real contribuição dela na evolução dos organismos. Nem sempre um organismo evolui a partir da uma espécie sofre mudanças devido à Seleção, mas deixarei este assunto para outro post.

Dia de Darwin 2008: dia de reflexões para a Biologia Moderna

Senta que lá vem história...

Pensem na teoria de Darwin como um conjunto de teorias. Somente assim seremos capazes de analisar os reais impactos das idéias contidas n’A Origem das Espécies sobre o pensamento moderno.

Referência bibliográfica: MAYR, E. 2006. Uma ampla discussão - Charles Darwin e a gênese do moderno pensamento evolucionário. FUNPEC Editora, Ribeirão Preto, pp 108-131.

Arrumando a casa aos poucos...

Olá pessoal,

Quem tem acompanhado o SEV, tem visto algumas mudanças na cara do blog. Estou, aos poucos, acrescentando alguns elementos visuais e dinâmicos para deixar o blog mais interativo e com mais atrações.

Já inseri, à direita da página, uma coluna de links interessantes, para vocês terem uma idéia do que é que eu estou lendo na internet e também que valem a pena serem visitados. Disponibilizei um link para vocês baixarem o livro Science, Evolution and Creationism, para quem tiver interesse no assunto. No final da página há um mapa, que registra a localidade dos IP's que visitam o blog, elaborado com auxílio do Page Rank 10.

Aos poucos eu vou ajeitando o SEV, pois como me disse um importante professor meu, sobre sua sala desarrumada: "Preciso arrumar a minha sala. Como você vê, ela possui grande está cheia de entropia..." (ou algo assim!). Pouco a pouco, eu reuno a energia necessária para acertar o visual do SEV.
Logo tem texto novo no blog, aguardem!

Abraços a todos!

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Ratinhos na Era do Gelo

Estou elaborando um projeto relacionado à filogeografia de roedores, sob orientação de um dos professores de minha faculdade. Vamos levantar as variações intra-específicas em diversas populações de Euryoryzomys russatus, um roedor da Mata Atlântica. Iremos utilizar dados morfológicos (cor do pêlo, tamanho das vibrissas, formato dos pés etc.), morfométricos (tamanho dos ossos, medidas do crânio, dos dentes) e moleculares (seqüência do gene Citocromo b do DNA mitocondrial) e confrontá-los com os aspectos físicos do ambiente (como morros, rios e outras barreiras) para saber com maior certeza se há diferenças entre os ratos do Nordeste e do Sudeste, e se houver, se ela está relacionada ao ambiente.

A filogeografia é a ciência que estuda a distribuição geográfica das espécies e as relações de parentesco entre elas. É bastante interessante, pois ela muitas vezes é capaz de oferecer informações preciosas para se descobrir alguns episódios da história evolutiva da vida. Por muito tempo, ela foi desenvolvida em parceria com a paleontologia e a taxonomia. Tudo era muito baseado nas características do corpo: medidas, peso, comprimento dos ossos, disposição dos vasos sanguíneos no crânio, cor da pele, pêlo e penas entre outras.

Com o avanço das tecnologias de leitura do DNA, o trabalho da filogeografia tem se tornado muito preciso. Diversas seqüências do DNA são praticamente idênticas em todos os animais. Assim, quanto mais diferente duas seqüências forem, mais distante pode ser a relação entre elas. Algumas espécies variam bastante de cor, tamanho ou hábito, mas se a seqüência do DNA for muito próxima, o parentesco entre elas também é. E a união dos trabalhos taxonômico e molecular tem gerado resultados importantes e possibilitado a comparação entre diferentes cenários evolutivos, mostrando quais são os mais prováveis para aquela(s) espécie(s).

Vou contar-lhes um exemplo breve. Abothrix olivaceus e Abothrix xanthorhinus são duas espécies de ratinhos que vivem no Chile e na Argentina. O primeiro habita o oeste da cordilheira dos Andes, e o segundo, o leste – a Patagônia. Em Bariloche – próximo à divisa entre Chile e Argentina –, foram encontradas as duas espécies, e muitos deles pareciam ser híbridos entre elas, ou seja, resultado do cruzamento entre duas espécies distintas, apresentando características intermediárias.

Alguns estudiosos do assunto resolveram pesquisar melhor o assunto e buscar uma solução: afinal, será que Abothrix olivaceus e Abothrix xanthorhinus são duas espécies diferentes ou são uma única espécie em processo de divergência? Será que são duas espécies com dois ancestrais diferentes ou ambas possuem o mesmo ancestral? Os cientistas coletaram mais destes roedores em locais onde era comum o encontro das duas espécies e analisaram o DNA dos bichos.

Eles constataram algumas coisas importantes: a separação entre as espécies provavelmente ocorreu após a ultima glaciação do Pleistoceno, há aproximadamente 18 mil anos, quando o gelo cobria toda a cordilheira dos Andes, separando o Chile da Argentina por meio de uma barreira branca congelante. Também perceberam que os A. olivaceus do norte do Chile tinham a seqüência de DNA mais distante do restante dos A. olivaceus e dos A. xanthorhinus. Outra coisa: o DNA dos diferentes A. xanthorhinus era mais próximo dos A. olivaceus do que dentre eles mesmos, ou seja: eles coletaram vários “A”s vários “B”s. Ao analisar os DNAs dos “A”s e “B”s, notaram que os “B”s estão mais próximos dos “A”s do que de outros “B”s. E agora?

Então os cientistas elaboraram duas histórias (hipóteses) que fossem capazes de contar como Abothrix olivaceus e xanthorhinus se comportaram durante o passado:

Cenário 1: o gelo poderia ter isolado duas populações distintas: uma ao norte do Chile, de A. olivaceus, e outra ao norte da Patagônia, de A. xanthorhinus. Conforme as geleiras foram recuando, as duas espécies foram explorando as terras mais ao sul, e posteriormente acabaram se encontrando e se intercruzando nas regiões dos Andes, gerando os híbridos. Neste caso, cada espécie teria sua própria população ancestral (bolinhas no mapa). Este cenário é descrito como modelo de divergência de vicariância alopátrica, ou seja, quando duas espécies/populações de regiões diferentes se encontram e se cruzam (vicariância).


Cenário 2: o gelo teria isolado uma única população de A. olivaceus no norte do Chile. Conforme o gelo foi recuando, a espécie foi colonizando as terras mais ao sul e se espalhando para o lado leste dos Andes. Estas novas populações do leste dos Andes foram se tornando diferentes daquelas do Chile. Assim, as duas espécies que vemos hoje de Abothrix tiveram, no passado, apenas uma população ancestral comum. Este cenário é chamado de modelo de divergência com fluxo gênico, ou seja, as duas espécies de hoje eram apenas uma no passado, que se dividiu e se espalhou, dando origem a duas populações diferentes, uma a oeste da cordilheira (hoje A. olivaceus) e outra a leste (hoje A. xanthorhinus), limitando o cruzamento entre elas devido às montanhas servirem como barreiras.


Recapitulando:

A – Os Abothrix olivaceus do norte do Chile são diferentes de todo o resto, dando suporte à hipótese de uma população original de A. olivaceus nessa região na era glacial (Cenários 1 ou 2);

B – As análises de DNA demonstraram que os Abothrix xanthorhinus são mais próximos dos Abothrix olivaceus do que de outros Abothrix xanthorhinus. Isso não é compatível com o Cenário 1, pois se as duas espécies tivessem dois ancestrais diferentes, o DNA de uma espécie seria diferente do da outra, e não semelhante;

C – Quantificando as diferenças entre as duas espécies, ficou evidente que se tratavam de populações com um único ancestral (Cenário 2), pois haviam muitas diferenças entre um rato e outro, e poucas entre o conjunto de ratos do Chile e o conjunto de ratos da Argentina.

Resultado do estudo: existem fortes indícios que apontam para a ancestralidade comum entre A. olivaceus e A. xanthorhinus e até mesmo coloca em dúvida se são duas espécies diferentes ou se não passam de uma só (A. olivaceus + A. xanthorhinus = A. olivaceus, apenas), com duas populações diferentes em processo de divergência. Seriam necessários mais alguns estudos com as populações da Argentina, descoberta de fósseis e estudos semelhantes com outras espécies para dar maior certeza do que realmente aconteceu no passado.

Realmente, não podemos voltar no tempo e saber exatamente a história destes ratinhos pela América do Sul, porém temos ferramentas poderosíssimas que permitem testar as diferentes hipóteses evolutivas e demonstrar quais delas são mais prováveis, de acordo com os dados que obtemos.

Referência bibliográfica: SMITH, M.F.; KELT, D.A. & PATTON, J.L. 2001. Testing models of diversification in mice in the Abothrix olivaceus/xanthorhinus complex in Chile and Argentina. Molecular Ecology, nº 10, pgs 397-405.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Bacanal no sicônio: lindo exemplo de co-evolução.

Aos leitores do blog, desculpem-me pela demora em fazer um novo post, porém nestes últimos dias me dediquei exclusivamente a cumprir um prazo para escrever um projeto de estágio. E consegui! Ufa!!

Há quem diga que o conhecimento tira o encanto do mundo. Isso parece incoerente. A idéia de que devemos evitar o conhecimento para termos interesse na vida significa que “sem magia (ou sem as coisas inexplicáveis), o mundo é sem graça”. Eu duvido muito!

Conhecer com maiores detalhes o que realmente torna a natureza tão fantástica pode ser bastante prazeroso, pois satisfaz nossa curiosidade, e não necessariamente torna o mundo mais sem graça. A admiração continua existindo, e fica muito melhor pois agora ela é dotada de sabedoria.

Obviamente, algumas aulas de Biologia não foram exatamente planejadas para nos fazer amar o DNA ou a mitose, pelo contrário, podem se tornar péssimas experiências e não cumprirem os seus objetivos, como qualquer aula de qualquer outra disciplina do currículo básico – Português, Geografia, Matemática, Física. Desta última, eu mesmo tenho recordações bem amargas!

É para desfazer o gosto amargo que alguns sentem quando tomam aquela colherada de Biologia para a segunda fase do vestibular, ou para se impressionar mais com as histórias da natureza que o SEV foi criado.

Uma área que sempre serve de pano de fundo para histórias mirabolantes é a de estratégias reprodutivas, tanto de animais quanto de vegetais ou microrganismos. Eu gosto muito quando diferentes histórias de vida se entrelaçam. É o caso de microvespas e de um gênero de plantas chamadas de Ficus, ou figueiras.

O fruto da Ficus se parece muito com nosso figo convencional, que se vende em calda. Porém, ele não é um fruto propriamente dito, mas sim uma caixinha, cheia de flores, com uma pequena entrada. Este tipo de formação é chamada de sicônio. O figo que comemos é um sicônio também, só que selecionado e hibridizado para ser bem suculento.

Pois bem, existem os sicônios das Ficus masculinas (com flores femininas e masculinas) e os sicônios das Ficus femininas (com flores femininas). Nos sicônios masculinos, as flores femininas têm um pistilo (tubo por onde o núcleo do pólen alcança os óvulos para gerar a semente) curtinho, e nos sicônios femininos, as flores femininas têm pistilo longo. Outra diferença é que os sicônios masculinos apresentam flores masculinas, que possuem praticamente somente os estames com pólen, e elas ficam todas próximas ao orifício do sicônio.

Pois bem. As microvespas são parasitas de Ficus. Elas consomem as flores de dentro dos sicônios. “Malditas vespas...”, você pode estar pensando. Mas acontece que a Ficus depende deste parasitismo. Quando as microvespas chegam à época de reprodução, elas visitam os sicônios e entram pelo pequeno buraquinho, pelo qual só elas conseguem entrar por serem minúsculas.

Ao entrarem no sicônio masculino, com ajuda de seu ovipositor (um tubo comprido que sair de trás do abdome da vespinha – pode chamar de bunda, mas não é um nome muito adequado!), ela alcança os ovários da flor feminina, deixa seus ovos lá dentro e morrem. Depois de um tempo, os ovos eclodem, as larvas devoram sem piedade as flores femininas e aí começa uma suruba artrópode, digna das orgias gregas. As microvespas mal nasceram e já vão para o oba-oba. Ô mundo precoce... Bom, depois do rala-e-rola geral dentro do sicônio masculino, as vespinhas fêmeas precisam sair, para se alimentar e depositarem seus ovos. Para tanto, elas precisam passar pelas flores masculinas, e aí está o segredo: as flores masculinas amadurecem e liberam o pólen no momento exato em que as vespinhas irão abandonar o sicônio! Enquanto caminham em direção à saída, elas se enchem de pólen.

O ciclo se reinincia. Porém, as vespinhas não visitam somente os sicônios masculinos, visitam os femininos também. Nos femininos, as flores femininas com pistilo longo também servem de local para depósito de ovos de vespinha. Só que o ovipositor da vespa não é longo o suficiente, e o ovo acaba ficando no meio do caminho até o ovário. Pobre dele, pois não irá se desenvolver e a flor se manterá intacta. E qual a importância disto para o Ficus?

A vespinha, ao sair do sicônio masculino impregnada de pólen, pode visitar um sicônio feminino e, ao tentar botar seus ovos, ela poliniza a flor feminina. Além disso, como os ovos não se desenvolvem, as flores femininas polinizadas não são devorada pelas larvas -já que elas nem nascem - e conseguem dar origem às sementes! A reprodução, tanto da Ficus como das microvespas, está garantida! E o mais impressionante é que cada espécie de Ficus está relacionada a uma espécie de microvespa. Este tipo de relação, onde duas espécies diferentes se beneficiam ou dependem uma da outra para sobreviver é o resultado de um processo chamado co-evolução.

É... E será que alguém deixa de se impressionar com o mundo, só porque passou a conhecer um pouquinho mais dele?


Referência bibliográfica: WIEBES, J.T. 1979. Co-Evolution of figs and their insect pollinators. Annual Review of Ecology and Systematics. Vol. 10, pgs. 1-12.

P.S.: Sim, os desenhos foram feitos por mim no Paint Brush... Algo contra!?

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Cortando a cebola...


Eu não falei que iria preparar o tempero para o molho do cachorro-quente?

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Obrigado angiospermas!

Hoje eu estava preparando uma lista de compras para um jantar na casa de alguns amigos. Cardápio da noite: cachorro-quente! Particularmente, adoro cachorro-quente, principalmente se tiver muito molho.

Eu faço um molho muito bem temperado, com ervas e outros vegetais aromáticos, como cebola, alho, pimenta etc. Aliás, o tempero do jantar de hoje à noite será preparado por mim...

Preparando a lista de temperos, onde se encontram alho, cebola, manjericão, pimenta, coentro, louro, salsinha e cebolinha, percebi que todos estes vegetais são exclusivamente terrestres. Todos eles fazem parte do grupo das Angiospermas, que são os vegetais que possuem flores ou, considerando a origem do nome do grupo, “semente protegida” - pelo fruto. As Angiospermas representam um grupo amplamente diversificado de vegetais, tanto em modos de vida como em morfologia. Toda esta variedade de espécies me faz pensar na história evolutiva das plantas e no papel que elas desempenham na Terra. Vou contar algumas curiosidades sobre a conquista do meio terrestre pelas plantas e sua importância na evolução dos seres vivos.

A história evolutiva das plantas começa há muito tempo atrás, há alguns bilhões de anos, com o surgimento dos primeiros seres vivos foto
ssintetizantes. Surgiram primeiramente no meio aquático, que é um facilitador de reações químicas diversas. Além disso, o meio aquático diminui drasticamente o risco de ressecamento do ser vivo, principalmente se ele não passar de uma colônia de indivíduos unicelulares. Se você quer ver um belo exemplo de uma colônia de seres unicelulares fotossintetizantes, observe guias, sarjetas ou bicas por onde a água corre ou se acumula com freqüência (piscinas abandonadas são ótimas!). Passe a mão e perceba a textura lisa. É uma outra adaptação destes seres vivos para resistirem ao ressecamento: a mucilagem. É como uma gelatina e ajuda a preservar a umidade na colônia quando a água do ambiente se torna escassa.

As algas são belos exemplos de seres fotossintetizantes muito bem adaptados ao meio
aquático. Tanto são que estão aí há centenas de milhões de anos, e de acordo com o registro fóssil, não mudaram muito ao longo do tempo. Não possuem estruturas diferenciadas, como folhas, flores ou sementes, nem caule. São praticamente um conjunto de células muito semelhantes, com capacidade de realizar fotossíntese dentro do meio aquático. Acontece que o meio aquático é muito pobre em gás carbônico em relação à atmosfera e a luz não penetra na água com a mesma intensidade que penetra no ar. Há uns 450 milhões de anos, o ambiente terrestre se tornou muito tentador aos vegetais!

Ora, conseguir luz e gás carbônico em abundância para realizar a fotossínte
se seria maravilhoso, já que assim a planta teria ao seu dispor uma quantia de alimento jamais experimentada. Porém, os desafios eram gigantescos para a conquista do meio terrestre: superar a intensa radiação do Sol, resistir ao ressecamento, sobreviver aos ventos e intempéries, obter água e nutrientes do solo, se reproduzir. Aos poucos, como nos contam os fósseis, aquelas células todas semelhantes das algas foram adquirindo características diferenciadas. Os primeiros fósseis de vegetais terrestres mostram pequeninos talos, com crescimento dicotômico (de cada ponta surge uma nova divisão em dois talos), que provavelmente habitavam ambientes transicionais, ou seja, locais enlameados, com grande disponibilidade de água. Não possuíam raízes, folhas ou coisa parecida. Estes talos são chamados de telomas.

Porém, em terra, a água e os nutrientes estão no solo e a luz e gás carbônico no ar. Esse caráter ambíguo do ambiente terrestre moldou a evolução das plantas terrestres para se tornarem um conjunto de dois compartimentos: a parte aérea, responsável pela fotossíntese e a parte subterrânea, responsável pela absorção de nutrientes.
O próximo passo foi o desenvolvimento de canais condutores para a comunicação entre o topo e a parte subterrânea.
A intensa incidência de radiação do Sol e o ressecamento foram contornados com o surgimento de um revestimento protetor impermeável (que impede a evaporação da água de dentro da planta) e o desenvolvimento de estômatos, que são como os poros da nossa pele. Os estômatos permitem as trocas gasosas e a evapotranspiração (é, as plantas também suam, através da evaporação).

Logo, aquele formato semelhante a uma galhada foi abandonado e as plantas passaram a se desenvolver em formato de um eixo, com ramos laterais. Era uma forma eficiente de aproveitar a luminosidade. Algumas plantas desenvolveram expansões aladas ligadas ao caule (folhas). Uma pressão evolutiva possível é que há 390 milhões de anos (no Devoniano) o CO2 atmosférico reduziu-se em 90%, exigindo das plantas um sistema fotossintético melhor.

Muito bem estabelecidas na terra, as plantas passaram a competir por luz. Plantas altas recebiam mais luz que as baixas. Foi neste contexto que surgiu o crescimento secundário nas plantas: o caule se torna mais rígido, capaz de se sustentar melhor e de suportar uma copa mais alta. Aparecem assim as plantas com o formato de árvore que tão bem conhecemos. Elas deram origem a um novo ambiente na terra, mais úmido e protegido da radiação solar intensa: a floresta. Grandes florestas (como a representação artística da imagem acima) de samambaias e gimnospermas gigantescas se desenvolveram a partir do Carbonífero (há cerca de 30 300 milhões de anos), construindo uma nova paisagem no globo, muito diferente daquela do Devoniano, na qual apenas plantas rasteiras e arbustos estavam presentes.

A partir daí, podemos imaginar o impacto das plantas na evolução dos seres vivos. Um novo habitat estava disponível, permitindo um acúmulo de água e nutrientes onde antes havia ressequidão e ventos. O solo não mais iria embora com o escoamento da água e os processos erosivos seriam completamente diferentes daqueles dos ambientes sem florestas. Regimes de chuvas seriam completamente alterados. Onde antes era um local árido passou a ser um ambiente vívido, com chuvas regulares. Animais começaram a procurar refúgio, alimento e outros recursos dentro das florestas e se tornaram polinizadores e dispersores das plantas, levando pólen e sementes a locais mais distantes, possibilitando a expansão dos domínios das plantas e favorecendo o desenvolvimento de frutos e flores atrativos e saborosos. Pois é, você é ludibriado pelos saborosos frutos e pseudofrutos das plantas, pois o que interessa a ela é que você os coma leve suas sementes para longe!

É inegável que as plantas alteraram profundamente os processos geológicos e evolutivos da Terra e dos seres vivos, respectivamente. Compreender sua evolução e seu papel no mundo pode levar a entender a importância da preservação e do estudo com estes maravilhosos exemplos de sucesso evolutivo.

Refrência bibliográfica: GONÇALVES, E.G. & LORENZI, H. 2007. Morfologia Vegetal. Instituto Plantarum de Estudos da Flora, São Paulo, pp 15-20.

P.S.: (09/02/2008) Fiz uma correção no texto (indicada pelo Rafael, nos comentários deste post). O Carbonífero ocorreu há cerca de 300 milhões de anos, e não apenas 30 milhões.