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quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Bacanal no sicônio: lindo exemplo de co-evolução.

Aos leitores do blog, desculpem-me pela demora em fazer um novo post, porém nestes últimos dias me dediquei exclusivamente a cumprir um prazo para escrever um projeto de estágio. E consegui! Ufa!!

Há quem diga que o conhecimento tira o encanto do mundo. Isso parece incoerente. A idéia de que devemos evitar o conhecimento para termos interesse na vida significa que “sem magia (ou sem as coisas inexplicáveis), o mundo é sem graça”. Eu duvido muito!

Conhecer com maiores detalhes o que realmente torna a natureza tão fantástica pode ser bastante prazeroso, pois satisfaz nossa curiosidade, e não necessariamente torna o mundo mais sem graça. A admiração continua existindo, e fica muito melhor pois agora ela é dotada de sabedoria.

Obviamente, algumas aulas de Biologia não foram exatamente planejadas para nos fazer amar o DNA ou a mitose, pelo contrário, podem se tornar péssimas experiências e não cumprirem os seus objetivos, como qualquer aula de qualquer outra disciplina do currículo básico – Português, Geografia, Matemática, Física. Desta última, eu mesmo tenho recordações bem amargas!

É para desfazer o gosto amargo que alguns sentem quando tomam aquela colherada de Biologia para a segunda fase do vestibular, ou para se impressionar mais com as histórias da natureza que o SEV foi criado.

Uma área que sempre serve de pano de fundo para histórias mirabolantes é a de estratégias reprodutivas, tanto de animais quanto de vegetais ou microrganismos. Eu gosto muito quando diferentes histórias de vida se entrelaçam. É o caso de microvespas e de um gênero de plantas chamadas de Ficus, ou figueiras.

O fruto da Ficus se parece muito com nosso figo convencional, que se vende em calda. Porém, ele não é um fruto propriamente dito, mas sim uma caixinha, cheia de flores, com uma pequena entrada. Este tipo de formação é chamada de sicônio. O figo que comemos é um sicônio também, só que selecionado e hibridizado para ser bem suculento.

Pois bem, existem os sicônios das Ficus masculinas (com flores femininas e masculinas) e os sicônios das Ficus femininas (com flores femininas). Nos sicônios masculinos, as flores femininas têm um pistilo (tubo por onde o núcleo do pólen alcança os óvulos para gerar a semente) curtinho, e nos sicônios femininos, as flores femininas têm pistilo longo. Outra diferença é que os sicônios masculinos apresentam flores masculinas, que possuem praticamente somente os estames com pólen, e elas ficam todas próximas ao orifício do sicônio.

Pois bem. As microvespas são parasitas de Ficus. Elas consomem as flores de dentro dos sicônios. “Malditas vespas...”, você pode estar pensando. Mas acontece que a Ficus depende deste parasitismo. Quando as microvespas chegam à época de reprodução, elas visitam os sicônios e entram pelo pequeno buraquinho, pelo qual só elas conseguem entrar por serem minúsculas.

Ao entrarem no sicônio masculino, com ajuda de seu ovipositor (um tubo comprido que sair de trás do abdome da vespinha – pode chamar de bunda, mas não é um nome muito adequado!), ela alcança os ovários da flor feminina, deixa seus ovos lá dentro e morrem. Depois de um tempo, os ovos eclodem, as larvas devoram sem piedade as flores femininas e aí começa uma suruba artrópode, digna das orgias gregas. As microvespas mal nasceram e já vão para o oba-oba. Ô mundo precoce... Bom, depois do rala-e-rola geral dentro do sicônio masculino, as vespinhas fêmeas precisam sair, para se alimentar e depositarem seus ovos. Para tanto, elas precisam passar pelas flores masculinas, e aí está o segredo: as flores masculinas amadurecem e liberam o pólen no momento exato em que as vespinhas irão abandonar o sicônio! Enquanto caminham em direção à saída, elas se enchem de pólen.

O ciclo se reinincia. Porém, as vespinhas não visitam somente os sicônios masculinos, visitam os femininos também. Nos femininos, as flores femininas com pistilo longo também servem de local para depósito de ovos de vespinha. Só que o ovipositor da vespa não é longo o suficiente, e o ovo acaba ficando no meio do caminho até o ovário. Pobre dele, pois não irá se desenvolver e a flor se manterá intacta. E qual a importância disto para o Ficus?

A vespinha, ao sair do sicônio masculino impregnada de pólen, pode visitar um sicônio feminino e, ao tentar botar seus ovos, ela poliniza a flor feminina. Além disso, como os ovos não se desenvolvem, as flores femininas polinizadas não são devorada pelas larvas -já que elas nem nascem - e conseguem dar origem às sementes! A reprodução, tanto da Ficus como das microvespas, está garantida! E o mais impressionante é que cada espécie de Ficus está relacionada a uma espécie de microvespa. Este tipo de relação, onde duas espécies diferentes se beneficiam ou dependem uma da outra para sobreviver é o resultado de um processo chamado co-evolução.

É... E será que alguém deixa de se impressionar com o mundo, só porque passou a conhecer um pouquinho mais dele?


Referência bibliográfica: WIEBES, J.T. 1979. Co-Evolution of figs and their insect pollinators. Annual Review of Ecology and Systematics. Vol. 10, pgs. 1-12.

P.S.: Sim, os desenhos foram feitos por mim no Paint Brush... Algo contra!?

3 comentários:

Rafael U. C. Afonso disse...

A Co-evolução das vespas e as figueiras é o tema do último capítulo do livro A Escalado do Monte Improvável de Richard Dawkins. Você já leu?
Pensando bem, creio que seria interessante eu reler este capítulo para comparar as descrição dele com a sua.

Gustavo Simões Libardi disse...

Eu não li esta obra do Dawkins por completo... A inspiração veio de uma aula na faculdade sobre o assunto e procurei uma bibliografia bem básica sobre o tema.
Mas ainda arranjarei um tempo para ler o Monte Improvável... :D

Abraços e obrigado pelos comentários...

Anônimo disse...

Muito obrigada pelo conteúdo! Acabo de me separar com o fruto da ficus e quando abri ele, fiquei curiosa em saber mais sobre ele. Graças ao seu conteúdo pude tirar minhas dúvidas sobre o fruto :)